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Clivagens internas na Renamo devem-se ao não cumprimento da vontade do líder-mor

Clivagens internas na Renamo devem-se ao não cumprimento da vontade do líder-mor

O cientista político moçambicano Eduardo Sitoe entende que as clivagens internas na Renamo e a situação de conflito que prevalece no Centro do país são resultado do não cumprimento da vontade de Afonso Dhlakama e, sobretudo, do malabarismo cometido pela Comissão Política da Renamo, que de forma deliberada ignorou os estatutos do partido e a orientação de Dhlakama em relação ao seu sucessor.

Em entrevista ao Zambeze, Eduardo Sitoe afirma que na altura em que a Comissão Política preparava a nomeação de Ossufo Momade como líder interino, em 2019, estavam a decorrer cerimónias tradicionais para indicação de Elias Dhlakama como substituto do já falecido irmão na liderança do partido.

Com efeito, o irmão do falecido líder da Renamo, Elias Dhlakama, preferiu continuar a sua vida em família e no conforto urbano, não se mostrando disponível para a liderança do partido.

Entretanto, por causa da indisponibilidade de Elias Dhlakama, meses depois da morte de Afonso Dhlakama realiza-se uma segunda cerimónia, onde se apontou o General Mariano Nhongo como legítimo herdeiro de Dhlakama, a exemplo do que aconteceu no passado antes da morte de André Matsangaíssa, que indicou Dhlakama como sucessor.

Segundo a interpretação de Eduardo Sitoe, tudo indica que as contestações de Nhongo começam a partir da sua consagração como líder no mesmo contexto em que a Comissão Política também nomeava Ossufo Momade como líder interino do partido.

Um dado curioso é que desde a existência da Renamo enquanto movimento de guerrilha, para depois ser uma formação política, houve sempre a necessidade do movimento ou partido ser liderado por uma figura dotada de espírito de guerra. Esta figura deve ser submetida a uma cerimónia espiritual denominada “MaGamba”, o que significa guerra.

Aliás, em algumas intervenções de Dhlakama, em vida, dizia que ele era suave em relação ao seu sucessor. Estes pronunciamentos conduzem à ideia de que a Renamo ainda não está sob a alçada do verdadeiro líder vaticinado pelo seu líder-mor.

“Na altura em que a Comissão Política da Renamo estava reunida na Beira (a 5 de Maio de 2018, ES) para nomear Ossufo Momade estavam em curso cerimónias tradicionais, numa floresta de grande significado espiritual, conhecida como Machikwiro, perto de Manica, junto da fronteira com o Zimbabwe.

Consta que as cerimónias, conduzidas por um ancião local, tinham, como era costume, reunido companheiros e antigos comandantes do movimento rebelde que teriam sido ditos por Dhlakama para “apontar o seu irmão, Elias Dhlakama, para concluir a obra do falecido”, acrescentou o nosso entrevistado.

Eduardo Sitoe diz ainda que a criação da chamada Junta Militar tinha como propósito destituir Ossufo Momade da liderança da Renamo, sublinhando que Mariano Nhongo e seus seguidores evocaram a necessidade de renegociar os termos do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) dos guerrilheiros da Renamo.

Para o académico, Nhongo aparece com o pretexto de que Ossufo Momade havia desvirtuado as intenções que Afonso Dhlakama queria ver vertidas nesse processo, designadamente a integração de oficiais residuais da Renamo no comando das Forças de Defesa e Segurança, um pacote mais atractivo de reinserção social para os desmobilizados e até prerrogativas de cargos em empresas públicas.

“Desde muito cedo, o grupo de Mariano Nhongo pugnava pela destituição de Ossufo Momade da liderança da Renamo.

De lembrar que no princípio Nhongo e seus pares acusaram Ossufo Momade de logo depois da sua eleição para a liderança da Renamo ter perseguido e executado, sumariamente, alguns oficiais que eram tidos como próximos e fiéis ao falecido líder Afonso Dhlakama”, acrescentou Sitoe.

Eduardo Sitoe, também professor da Universidade Eduardo Mondlane, afirma que a estratégia de Mariano Nhongo e da sua Junta Militar foge do foro político e assume, claramente, contornos criminais. Ataca propriedades públicas e privadas e inflige danos de diversa índole em pessoas que não têm nada a ver com o conflito interno – de liderança – na Renamo.

Por este motivo, é legítimo que o Governo de Moçambique, mais precisamente as Forças de Defesa e Segurança, procurem por todos os meios estancar a escalada criminosa de Nhongo e sua Junta Militar.

“Já em 2019, por ocasião da apreciação da proposta de Lei do Acordo de Paz e Reconciliação de Maputo pela Assembleia da República, foi visível a “dificuldade” que a Renamo, no seu todo, tem de lidar com o assunto de Nhongo, tendo dias antes o seu porta-voz, José Manteigas, afirmado que Nhongo e seus seguidores eram “desertores”. Mas sobre o mesmo assunto, Ivone Soares teria dito em sede do Parlamento o seguinte: “São os nossos parentes, são as nossas guerrilheiras, são os nossos guerrilheiros, a Renamo, como família, vai saber resolver os problemas da sua própria casa, isso nós afiançamos”.

Sitoe acrescenta que Ivone Soares, posteriormente, teria negado qualquer envolvimento seu com Mariano Nhongo e a Junta Militar. O certo, no entanto, é que Nhongo e sua Junta Militar sempre gozaram de simpatia por parte de dirigentes e membros da Renamo que, igualmente, não aceitam a legitimidade da liderança de Ossufo Momade.

Ainda no mesmo diapasão, o académico falou da actuação do Governo no que tange a este conflito que já causou mortes e deslocados no Centro do país, concretamente nas províncias de Manica e Sofala, na N1 e N6, tendo dito que é legítimo que o Governo de Moçambique, mais precisamente as Forças de Defesa e Segurança (FDS), procurem por todos os meios estancar a escalada criminosa de Nhongo e sua Junta Militar.

Recorde-se que durante 16 anos o Governo da Frelimo e os rebeldes da Renamo travaram uma violenta guerra civil, que terminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz, em Outubro de 1992. Mas a 21 de Outubro de 2013, a Renamo anunciou o fim do Acordo Geral de Paz, após as forças governamentais terem atacado a base da Renamo na serra de Gorongosa, Centro do país.

Seguiu-se outra fase de um conflito armado que terminou em novas negociações de paz entre o Governo da Frelimo e a Renamo.

O modus operandi da Junta Militar no Centro do país assemelha-se à táctica usada pelo então movimento de guerrilha da Renamo, cujo principal alvo das suas incursões era a população indefesa, as infra-estruturas públicas, desde escolas, hospitais, postos administrativos e policiais, entre outras.

À medida que os ataques se intensificavam estes abrangiam mais pontos, provocando deslocados e, consequentemente, uma crise humanitária, tal como se descreve o actual cenário naquela zona do país.

Apesar da análise de Eduardo Sitoe apontar que a luta de Mariano Nhongo é por ascensão ao poder e/ou liderança da Renamo, através da destituição do actual líder, Ossufo Momade, no entanto, Mariano Nhongo nunca foi directo nas suas reivindicações sobre a sua intensão de liderar a Renamo, uma vez tenha sido apontado pelo líder-mor como legítimo sucessor, mas aparece a acusar Ossufo Momade de abandonar o projecto de Afonso Dhlakama como a principal razão das reivindicações da Junta Militar, mais precisamente o processo de Desmilitarização, Desmobilização e Reintegração dos homens da Renamo.

 

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