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Da legalidade do gozo de férias em tempos de estado de emergência/Covid-19

Da legalidade do gozo de férias em tempos de estado de emergência/Covid-19

Em face da pandemia da Covid-19, o Presidente da República de Moçambique declarou o estado de emergência, através do Decreto Presidencial nº 11/2020, de 30 de Março, ratificado pela Lei nº 1/2020, de 30 de Março.

Face ao rápido crescimento do número de casos e das cadeias de transmissão da Covid-19, sendo que em algumas cidades encontram-se na fase de transmissão comunitária, o Presidente da República declarou a prorrogação do estado de emergência, por mais três vezes.

Moçambique está na vigência do estado de emergência nacional há 4 meses. Trata-se de um instituto constitucional nunca antes materializado no nosso ordenamento jurídico, facto que tem criado, obviamente, um enorme esforço legislativo e interpretativo com vista a regulamentar e regular situações concretas que tem surgido em resultado das restrições impostas pela declaração do estado de emergência.

A declaração e vigência do estado de emergência têm consequências económicas e financeiras negativas para as empresas, as quais procuram alternativas para mitigar tais impactos.

Dentre as várias alternativas que se consideram, questiona-se e discute-se a possibilidade do gozo de férias (remuneradas ou não remuneradas) durante o período em que as empresas não estejam a laborar ou tenham reduzido a produção, com vista a garantir a manutenção do emprego e especialmente a retenção de trabalhadores que já possuem qualificação e conhecimento da actividade, bem como cumprir com a obrigação legal que é conceder às férias anualmente aos trabalhadores. Para o efeito, propomo-nos reflectir resumidamente sobre as possíveis implicações legais do recurso ao regime de férias em tempos de estado de emergência resultantes da Covid-19.

As férias são interrupções da prestação de trabalho, por vários dias (em regra consecutivos), concedidos ao trabalhador com o objectivo de lhe proporcionar um repouso anual, sem perda de retribuição[1].

 

O direito a férias deve efectivar-se de modo a possibilitar a recuperação física e psíquica dos trabalhadores e a assegurar-lhes condições mínimas de disponibilidade pessoal, de integração na vida familiar e de participação social e cultural[2]. Este é o fundamento principal do gozo das férias (quer individuais como colectivas).

O gozo das férias constitui um direito indisponível do trabalhador, que tem a sua consagração na Constituição da República de Moçambique[3], e na Lei do Trabalho[4].

As férias podem ser atribuídas de forma individual, ou seja, para um trabalhador em concreto, ou colectivamente.

Relativamente as férias individuais, tal como a própria denominação a denuncia, estas são atribuídas individualmente aos trabalhadores, sendo que o empregador deve, em coordenação com o órgão sindical, elaborar o plano de férias a ser gozado pelos trabalhadores ao longo do ano[5].

Por outro lado, a doutrina laboral entende por férias colectivas as concedidas, de forma simultânea, a todos os trabalhadores de uma empresa ou unidade de produção, ou apenas aos trabalhadores de determinados estabelecimentos ou sectores de uma empresa ou unidade de produção, independentemente de terem sido completados ou não os respectivos períodos para a sua aquisição.

O regime das férias colectivas consta do nº 3 do artigo 100º da LT o qual estabelece que, se a natureza e organização do trabalho, bem como as condições de produção o exigirem ou permitirem, o empregador, mediante consulta prévia ao órgão sindical competente, pode estabelecer que todos os trabalhadores gozem as suas férias simultaneamente.

No entanto, a discussão prende-se com a legalidade da imposiçãodo gozo de férias por parte da entidade empregadora, durante o período do estado de emergência.

Entendemos que, em princípio, a imposição pelo empregador para o gozo de férias durante o período de estado de emergência pode ser questionada, uma vez que tal imposição opõe-se à finalidade do direito a férias, o qual visa o descanso físico e psicológico dos trabalhadores, objectivo este que dificilmente será obtido em isolamento forçado em plena pandemia e estado de emergência.

Alternativamente, nos casos em que haja consulta prévia ao órgão sindical para estabelecer que os trabalhadores gozem as suas férias simultaneamente, do qual resulte um parecer favorável, entendemos que, é permitido o gozo de férias colectivas. Nos casos de férias individuais, ao trabalhador individualmente considerado, recomenda-se que este, solicite o gozo das suas férias, cabendo a entidade empregadora diferir o pedido. Trata-se da manifestação da vontade expressa das partes, que por um lado resulta de um consenso e da necessidade de manter o vínculo laboral e não perda de rendimentos. Por outras palavras, somente o trabalhador sabe quando efectivamente é o momento ideal para o gozo das suas férias, permitindo-lhe a necessária recuperação física e psíquica, e disponibilidade pessoal, de integração na sua vida familiar e de participação social e cultural.Não obstante esteja em vigor o estado de emergência, prevalece a vontade do trabalhador e a anuência da sua entidade empregadora.

Caso o trabalhador já tenha gozado as suas férias, ou devido a suaantiguidade, não tenha dias de férias suficientes para gozar durante o período do estado de emergência ou em que a empresa estiver encerrada, as partes podem recorrer ao regime de antecipação das férias ( nº 3 do artigo 101 da LT).Em nosso entender significa que, no mesmo ano, o trabalhador pode gozar as suas férias adquiridas e não gozadas, e por seu turno, antecipar até 30 dias de férias do ano seguinte, desde que não acumule mais de 60 dias de férias, sob pena de caducidade. Por esta via, a entidade empregadora e o trabalhador procuram cobrir o tempo em que a empresa não se encontra a operar.

O acordo para a implementação de férias colectivas (remuneradas) entre a entidade empregadora e o trabalhador, visa por outro lado, evitar a perda do direito à remuneração do trabalhador, e a sua mão-de-obra, aqueles que verdadeiramente operam a empresa, e que foram objecto de formação pelo empregador, mas também evitar a perda das férias por acumulação.

Atente ao princípio da estabilidade e segurança da relação jurídica, e o princípio da irredutibilidade da remuneração, a alternativa com vista a contornar ao regime das férias parece-nos oferecer melhores condições para o trabalhador, não obstante representar um esforço financeiro para a entidade empregadora.

Concluindo, do acima exposto entendemos que, face à situação do estado de emergência, e os efeitos da Covid-19, a entidade empregadora e os trabalhadores querendo, podem recorrer ao regime de férias e antecipar às férias anuais, durante o período em que estiver inactiva, desde que consulte previamente os trabalhadores, representados pelo sindicato, nos casos aplicáveis, e seja pago a remuneração correspondente ao períododas férias. (César Vamos Ver, Advogado C.P. 1454, Agente Oficial da Propriedade Industrial Nº 241)

[1]FERNANDES, António De Lemos Monteiro (Janeiro de 2005), Direito do Trabalho, Edições Almedina. SA., Coimbra, pág. 406.

[2]MARTINEZ, Pedro Romano, Direito do Trabalho (Abril 2002), Coimbra, Portugal, pág.506 e 507.

[3]Nº 1 do artigo 85 da CRM, com as alterações da Lei 1/2018 de 12 de Junho.

[4]Artigo 98 e seguintes da Lei 23/2007, de 1 de Agosto ( Lei do Trabalho)

[5]Nº 1 do artigo 100 da LT.

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