Maltrapilhismo, malfeitorialismo ao terrorismo…

“O país está a enfrentar neste momento (…) desafios. (…) O primeiro iniciou em Outubro de 2017 (…) referente aos ataques terroristas que (…) começaram a emergir em alguns distritos de Cabo Delgado, onde indivíduos, na altura, usando armas brancas e outras vezes de fogo (…) perpetuaram acções de violência, caracterizadas por assassinatos (…) destruição de bens privados e públicos, situação (…) que foi evoluindo a ponto de se perpetrar acções de forma abertamente armada.” – Roque Silva, in Domingo, 19 – 07 – 2010.
Prévio
Com as acções dos titulados malfeitores, de insurgentes e hoje terroristas, em Cabo Delgado, se foi registando uma continuidade progressiva e ofensiva de ataques, emboscadas, flagelamentos, golpes de mão, assaltos, ocupações a e em vários distritos na província. O factor surpresa nessas operações de ataque é o móbil operacional, estratégico e táctico destes grupos. Nas suas investidas, o resultado imediato são mortes, mutilações, decapitações, destruições e graves prejuízos com implicações sócio – económicas e demográficas.
Com o evento destas acções violentas, desestabilizantes e perturbantes, as autoridades do país procuraram entender o que estava a ocorrer, procurando compreender e tipificar todas as ocorrências. Houve variadas interpretações dos factos, todas no sentido do enquadramento conceptual dos acontecimentos. Dessas, algumas aparentaram clara falta de informação factual, situacional e conjuntural destes eventos belicistas, daí a variabilidade nominativo – qualificativa dos acontecimentos por parte de vários comentadores e analistas da situação.
Malfeitores, bandoleiros, malfeitores, insurgentes, terroristas?
O Comandante – Geral da Polícia da República de Moçambique, Bernardino Rafael, ao jornal “Notícias”, 22 – 01 – 2019 afirmou: ” O que está a acontecer são ocorrências criminais, onde grupos de malfeitores estão a atacar e a saquear os bens da população. Quando é assim, trata-se de um crime. (…) Alguns (dos capturados) foram entregues à Justiça, sob acusações de homicídios; fogo-posto (…). Na verdade, o que está a acontecer são crimes em que os seus autores actuam em grupo e (…) estão a alterar a ordem e a segurança públicas em Cabo Delgado.”
Ao questionamento sobre se se estava perante um cenário de ataques terroristas, Rafael respondeu:”Não chega a esse extremo. Precisamos de definir os conceitos gerais de terrorismo e o crime de natureza comum. Os terroristas têm a sua forma de agir. Atacam a população, mas os seus alvos têm sido as instituições do Estado. (…) Da forma como estes malfeitores agem, não atingem as dimensões que possam ser circunscritas ao terrorismo. Não estamos nesse nível, mas sim, de grupos de criminosos que agem contra a população e com o objectivo único de desestabilizar. Não temos do lado dos criminosos, objectivos concretos que nos possam conduzir à conclusão de se tratar e classificar estas acções, como terroristas. (…) Outrossim, não identificámos (…) motivação que nos possa conduzir à conclusão de se tratar de terrorismo. (…) O nosso país está sendo vítima da acção de criminosos, que os chama malfeitores, porque a acção é maléfica para o Estado. (…) As FDS sempre travaram qualquer tipo de acção malfeitora vinda, tanto do exterior, como a protagonizada a nível do território nacional. (…) Temos que ter a fé de que é possível resolvermos o problema. (…) Os que estão a ser ouvidos em tribunal, não estão a prestar informações que nos ajudam a esclarecer o caso. Não estão a colaborar. Não dizem quem são os mandantes.” Questionado Bernardino Rafael sobre a possibilidade destes serem dos que não querem a exploração do gás liquefeito em Cabo Delgado, respondeu: “Não confirmámos esta forma de pensar ou de apontar as motivações para estes ataques. A verdade é que há grupos de pessoas que financiam estas acções.”.
Terrorismo sagrado?
Sobre as indicações alegatórias de estes grupos serem de inspiração islâmica extremista, vamos nos ater à obra de Daniel Benjamim e Steven Simon, “The age ofsacred terror” (A era do terror sagrado), onde se lê: ” (…) Num mundo (…) cada vez mais religioso, mais adeptos das grandes religiões e das novas e ainda dos crescentes cultos estão colocando a violência no centro de suas crenças. (…) Algo comum em todos estes actos é que os seus actores acreditam ter recebido autorização e até mesmo ordem de Deus. (…) Estes militantes religiosos têm opiniões radicais, que não reflectem os valores e os ensinamentos doutrinários das religiões.”. Há e impõem-se saber discernir, “(…) as intenções do coração” (Hebreus 4: 12) que sejam malditas, do que é correcto, doutrinal e humano.
Das palavras do Comandante Bernardino Rafael, de Janeiro de 2019 a esta parte, houve uma grande mutação situacional, conjuntural, operacional e operativa em Cabo Delgado. O atencionamento hoje do cenário está a levar ao direccionamento analítico, conjuntural e tipificador dos factos episódicos que concorrem para a tipificação classificacional da situação como a de uma guerra agressora de características e manifestações de puro terrorismo. A focalização dirigida a estes episódios de conflito estabelece uma relação directa entre o domínio factual e de ocorrência de evidências táctica-operacionais terroristas. Cognitismo factual, a comprovação, a verificação dos factos e da operacionalidade e características ofensivas, levam à solidificação efectiva e conclusiva de estar o país a sofrer uma agressão externa com o envolvimento de nacionais, com o fim de “nacionalizar” esta acção, já de guerra terrorista.
Que fazer? Inteligência e força armada?
O desafio que se coloca às autoridades de Estado e das instituições de Inteligência e de defesa e de segurança é o de descobrir (descobrindo este mistério) e esclarecer que são de onde, com que motivações e quais os objectivos finais. Revelar as fontes de financiamento, de logística bélica, a cobertura externa (de algum país, de organização extremista islâmica ou de outro tipo)? O “assunto” gás não pode de forma alguma ser colocado de lado. Quem está por detrás desta operação de agressão e de desestabilização desestabilizante toda?
Moçambique, poço de gás?
Se deve evitar cair no erro estratégico de considerar esta guerrilha terrorista como levada a cabo por adversários inferiores e menosprezáveis (maltrapilhos, malfeitores, insurgentes, etc.). Isto pode levar à negligência de tratamento, de enfrentamento e de operatividade de Inteligência e à minoração operacional combativa que pode vir a ser fatal. O método eficaz de contra – guerrilha e de contra-terrorismo é a própria guerrilha e as acções de inteligência activa de natureza soberana.
Esta é a questão central para as nossas instituições de Estado, pois, se impõe esclarecer esta questão, se considerarmos que o negócio do gás, tem os grandes “players” mundiais e nós estamos imergindo. Paola Rolletta, in Savana, 12 – 07 – 2019 escreveu: ” Moçambique será o segundo mais importante país do mundo em termos de exportação de gás, após o Qatar. (…) A recente descoberta de gás, a maior dos últimos 20 anos na África – sub– sahariana (na bacia do Rovuma).” Não terá isto a ver com estas brutalidades terroristas? Terrorismo? Em nossa opinião sim. Alain Birou, Dicionário das Ciências Sociais, cit. Artigo, Terrorismo, escreve: “O terrorismo é a prática sistemática e organizada do terror, sendo este um estado e a criação de um sentimento de medo colectivo, provocados por actos de violência e de morticínio. O terrorismo não se exerce só por meios atentatórios contra a vida e segurança das pessoas, mas também destruindo os serviços públicos e as infra – estruturas colectivas.”. Estamos ou não sendo vítimas de terrorismo?