Três mudanças que podem fazer diferença na eleições em Moçambique

Pelo menos desde 2009, o Conselho Constitucional pede que o parlamento aprove um código eleitoral unificado para substituir a actual avalanche de leis eleitorais em constante mudança e contraditórias. O grupo de observadores da Commonwealth notou que “não recebeu nenhuma reclamação da Frelimo ou da Renamo” sobre a “composição altamente multipartidária da CNE” e do STAE que é “único” em Moçambique. “Parecia que havia se encontrado uma forma satisfatória de realizar eleições para ambos os partidos”. Parece não haver interesse em avançar em direção ao que a Commonwealth chamou de sistema eleitoral trabalhando “no interesse do eleitorado e do país”.
Parece não haver pressão séria da sociedade civil, dos partidos políticos ou da comunidade internacional pelo grande projecto de elaboração de um código eleitoral. Sem essa pressão, o partido no poder, Frelimo, não abrirá mão de nenhuma das vantagens que produziu sua vitória esmagadora em 2019; precisa vencer novamente em 2024 para estar no poder quando as receitas de gás começarem a fluir.
No entanto, o partido Frelimo enfrenta críticas sem precedentes e, pela primeira vez, existe uma crença internacional generalizada de que as eleições de 2019 não foram livres e justas, e que irregularidades foram flagrantes e excessivas. É possível que uma mistura de pressão externa e da sociedade civil, combinada com o entendimento de que esta eleição deu a Moçambique uma má imagem, possa criar uma pequena janela de oportunidade.
À luz disso, propomos três mudanças nos procedimentos e leis eleitorais que tornariam o processo eleitoral um pouco menos desigual e removeriam algumas das manchas mais grosseiras do processo eleitoral. As duas primeiras não exigem mudanças na lei e podem ser feitas com o acordo dos principais partidos. A terceira é uma mudança na lei, que poderia ser feita com uma revisão pontual da lei.
Eis as mudanças sugeridas:
Escolha de membros independentes na CNE. Sete membros da CNE provêm de organizações da sociedade civil (OSC) escolhidas pelo parlamento (AR). A lei não estabelece um sistema; portanto, os partidos políticos escolhem os membros das OSCs que sejam leais aos seus próprios partidos. Para a composição da nova CNE, que deve ser feita em breve, sugerimos que o sistema seja mais aberto e reflicta a lei que estabelece que os membros da CNE não representam partidos políticos. Isso pode ser feito nos termos da actual lei.
Transparência. Desde 1994, a CNE optou pelo secretismo obsessivo não normal nas democracias. As leis eleitorais não impõe secretismo, antes pelo contrário têm como princípio orientador a transparência. E tornar o sistema eleitoral mais aberto aumentaria a confiança.
Direito eleitoral vs direito penal. Sob pressão da Renamo, os partidos concordaram com um sistema de tribunais eleitorais que poderia intervir para corrigir a má conduta e os erros das comissões eleitorais, STAE a diferentes níveis e assembleias de voto. Mas o sistema manteve sanções penais para indivíduos, que inesperadamente foram usadas para bloquear intervenções de tribunais eleitorais. Isto conduziu a à situação absurda em que se a fraude eleitoral envolve crime, os resultados fraudulentos mantêm-se válidos e não podem ser alterados. Ligeira revisão na lei no respeitante a jurisdição de conflitos eleitorais poderia resolver este problema.
Transparência para recuperar confiança
Desde as primeiras eleições, em 1994, houve um secretismo obsessivo no sistema eleitoral, não aceitável em outras democracias. No início, era para permitir a Frelimo e Renamo negociar e chegar a acordos secretos no período pós-Acordo Geral de Paz, quando havia altos níveis de desconfiança, e os primeiros presidentes da CNE promoveram consensos para manter ambos os lados a bordo. O aumento do número de membros da Renamo nas comissões de eleições e integrados no STAE e mais recentemente nos membros das assembleias de voto, reflectiram a visão ingênua da Renamo de que quanto mais pessoas tiver nos órgãos eleitorais, melhor poderia controlar a Frelimo. O secretismo também permitiu a Renamo usar ameaças e boicote para forçar concessões da Frelimo. Mas nas eleições de 2018-19, a posição foi ultrapassada. Ao assumir o controlo da nomeação dos membros da sociedade civil, a Frelimo obteve a maioria nas comissões eleitorais em todos os níveis, e o secretismo levou a que o público e a imprensa não percebessem que a era dos consensos havia terminado o, e todas as decisões foram por voto e maioritário da Frelimo .
A falta de transparência foi um problema particular em 2018 e 2019, com pequenas e grandes decisões tomadas em segredo, não anunciadas nem explicadas; o apuramento de votos foi em grande parte secreto. Nas eleições em todo o mundo, websites são actualizados com frequência antes, durante e após a eleição. O STAE e a CNE têm website que é raramente utilizada.
A cultura do secretismo aplica-se até aos resultados das eleições. Sem saber o que se fez e sem explicações, quando a CNE anunciou seus resultados a 27 de Outubro de 2019, excluiu 144 918 votos. O Conselho Constitucional (CC) alterou duas vezes seus resultados secretamente, sem nunca dizer que foram feitas alterações.
O STAE compila uma base de dados completa dos resultados das assembleias de voto, denominando este processo de apuramento provisório. Em 2018, os resultados do apuramento provisório foram parcialmente publicado na página web da CNE/STAE. Em Alto Molocué e Monapo, os resultados oficiais deram vitória à Frelimo, mas o apuramento provisório do STAE revelou que a Renamo havia vencido. Face ao embaraço que isso causou, o STAE respondeu removendo os dados de apuramento provisório nas eleições de 2018, e nas eleições de 2019 os dados de apuramento provisório não mais foram publicados, foram mantidos em segredo. O grupo de observadores da Commonwealth afirmou que esses dados deveriam ser publicados.
A CNE recusou-se a explicar decisões sobre alocação de fundos, posições no boletim de voto, metas de recenseamento e muitos outros. A recusa de verificar ou auditar os números de recenseamento de Gaza obviamente inflacionados foi destacado pela imprensa independente e por observadores internacionais. O secretismo da CNE aumenta a cada eleição, assim como a crença de que o sigilo é usado para ocultar má conduta e incompetência.
Mais abertura e transparência são essenciais para criar confiança, evitar má conduta e corrigir rapidamente erros. A lei não exige secretismo nem impede a transparência. A abertura pode ser feita agora, sem alterar a lei. A CNE tem o poder de mudar suas próprias práticas de trabalho. Mas é preciso que a Renamo entenda que, nas últimas eleições, sua derrota foi influenciada pelo secretismo. E requer-se que a Frelimo acredite que não precisa de má conduta encoberta secretamente para vencer em 2024.
Membros da Sociedade Civil livres da cooptação partidária
Os Membros da Comissão Nacional de Eleições “não representam as instituições públicas ou privadas ou organizações políticas ou sociais da sua proveniência, defendem o interesse nacional”, dispõe a lei eleitoral (9/2014,de 12 de Março).
Mas no sistema moçambicano politizado, os partidos sempre nomearam membros da CNE na proporção de assentos na Assembleia da República (AR), e sempre representaram interesses partidários. Para as eleições de 2008-9, a AR aprovou uma mudança dramática – a maioria dos membros da CNE, incluindo o presidente, passou a ser indicada pelas Organizações da Sociedade Civil (OSC) para tentar forçar alguma independência e neutralidade. Mas a partir de 2013, os membros das OSCs foram reduzidos a uma minoria. Além disso, a escolha dos membros das OSCs foi feita pelo parlamento e com base na representação proporcional dos assentos no parlamento, o que deu à Frelimo uma maioria. Em 2018-9, a maioria foi usada descaradamente para os interesses da Frelimo, como aprovar o recenseamento inflacionado em Gaza.
O acordo entre a Frelimo e a Renamo para seleccionar membros das OSC aliadas aos partidos não é de lei e claramente contraria o espírito da lei, pelo que, nos termos da actual Lei Eleitoral é possível retornar a um sistema de membros das OSC não-partidários como membros da CNE.
Nos termos da actual lei, existem 10 membros de partidos (5 da Frelimo, 4 da Renamo, 1 do MDM) e 7 da OSC. A AR nomeia uma comissão ad hoc que, durante 30 dias, recebe propostas das OSCs para os 7 assentos das OSCs. A comissão ad hoc produz uma lista curta de 12 a 16 e o parlamento escolhe o 7. A lei não estabelece outras regras.
Se a Frelimo e a Renamo estivessem dispostos, algumas mudanças poderiam transformar a CNE. E é importante fazê-lo agora, porque mesmo com a actual maioria partidária, nenhum partido teria maioria.
A CNE poderia usar da sua experiência na matéria eleitoral para cooperar com a Assembleia da República na revisão e elaboração da legislação eleitoral ou Código Eleitoral. Parece que seria mais fácil e efectiva esta cooperação se a CNE fosse mais equilibrada e não controlada directamente pelo mesmo partido que controla a Assembleia da República. Uma CNE mais neutra e independente poderia garantir um certo grau de discussões técnicas para equilibrar com a discussão puramente política do Parlamento.
Sugestões:
A comissão ad hoc deve ter composição igual- um membro proveniente da Frelimo, Renamo e MDM (ou dois membros de cada, mas deve ser uma comissão pequena).
A comissão ad hoc deve definir alguns critérios básicos: nenhum candidato proveniente de OSC pode ter tido um cargo no partido nos últimos cinco anos, os candidatos devem ter grau universitário (a educação agora esta massificada e as OSCs provinciais agora empregam graduados universitários) e devem ter alguma experiência em gestão.
Deve haver audiências públicas, nas quais a comissão e o público possam questionar os candidatos, e a audiência deve ser transmitidos pela rádio e pelas redes sociais mais usadas no País.
A votação para eliminar os candidatos menos qualificados deve ser usada para criar uma lista de 12 a 16 pessoas. Em rotação, os membros da comissão ad hoc vetariam as pessoas para reduzir a lista. Obviamente, cada partido vetaria pessoas aliadas a outros partidos políticos. O grupo restante seria mais genuinamente neutro e representaria a sociedade civil. Todas as sugestões são possíveis com base na actual lei.
Os membros das Comissões Provinciais de Eleições, Distritais e de Cidade seriam eleitos no mesmo modelo da lei actual, mas com maioria da sociedade civil (3 Frelimo, 2 Renamo, 1 MDM e 9 de organizações da sociedade civil). Os membros das OSCs são escolhidos pelo órgãos do nível superior; portanto, o Parlamento escolhe os membros da CNE e por sua vez, a CNE escolhe os membros da comissão provincial provenientes das OSC e a comissão provincial escolhe os do distrito e de cidade.
O mesmo procedimento pode ser usado na província, distrito e cidade. Uma comissão de três membros, audiências públicas usando rádio comunitária e Facebook e votação negativa para permitir que aqueles com filiações políticas conhecidas sejam excluídos.
As comissões eleitorais provinciais e distritais com as maiorias da Frelimo foram responsáveis por não credenciar milhares de observadores e por permitir uma má conduta significativa no recenseamento, votação e contagem. A Frelimo acredita que só poderá vencer em 2024 se retiver esse poder? Ou é confiante o suficiente para permitir uma maioria não-partidária da sociedade civil? (CIP)