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Inacreditável: Resultados fraudulentos não podem ser alterados porque são crimes

Inacreditável: Resultados fraudulentos não podem ser alterados porque são crimes

Se um caso de fraude eleitoral em uma assembleia de voto é resultado de um ilícito eleitoral, pode ser que o caso seja julgado e os agentes do crime sancionado, mas os resultados dessa mesma assembleia não são alterados, mantêm-se válidos. Esta situação totalmente incompreensível resulta da forma como os tribunais interpretam a dupla jurisdição dos conflitos eleitorais.
A Lei Eleitoral diferencia irregularidades administrativos dos ilícitos eleitorais. As irregularidades administrativas são actos ou omissões dos órgãos eleitorais que lesam os interesses das partes. Um sistema especial de jurisdição eleitoral foi introduzido para julgar questões administrativas em recursos de contencioso eleitoral interpostos pelos concorrentes. As irregularidades administrativas são julgadas com urgência para acompanhar o processo eleitoral. Por sua vez, os ilícitos eleitorais são crimes e seguem o processo penal normal, cabendo ao Ministério Público a acusação e são julgados em secções criminais de tribunais comuns. Com o ritmo lento da justiça moçambicana, em muitos casos, os ilícitos só são julgados após o ciclo eleitoral e sem efeitos sobre os resultados das eleições.
O problema é que não há clareza na lei sobre quando estamos diante de um ilícito eleitoral e de um acto ou omissão administrativa que lesa o interesse dos concorrentes. Considere-se o exemplo de suspeita de falsificação de acta de apuramento parcial na mesa de votação. A aprovação de uma acta com resultados eleitorais adulterados é um acto administrativo que pode ser impugnado junto do tribunal eleitoral. Mas a suspeita de falsificação de acta é matéria criminal e deve ser submetido à secção criminal do tribunal para investigação, acusação e responsabilização criminal dos indiciados.
Havendo um recurso contencioso contra a aprovação da acta contendo resultados falsos, o tribunal eleitoral pode ordenar a recontagem de votos e correção de resultados. Mas se o caso é tratado apenas como ilícito eleitoral, mesmo que venha a ser provada a falsificação da acta e o agente do crime julgado e condenado, os resultados falsificados na assembleia de voto mantêm-se válidos e contam para os resultados finais das eleições.
O porta voz do Tribunal Supremo, o Juiz Conselheiro Pedro Nhatitima, disse a jornalistas a 29 de Outubro de 2019 que os tribunais distritais na Zambézia procederam correctamente ao rejeitar queixas sobre enchimento de urnas que foram apresentadas como recursos contenciosos pois o enchimento de urnas é um “ilícito eleitoral e deveria ter sido tratado come processo-crime”. Em outras palavras, os tribunais eleitorais só podem admitir petições que não tratam de crimes.
Aos tribunais eleitorais apenas se pode submeter recursos para impugnar decisões de natureza administrativa, tais como irregularidades que ocorrem nas mesas de votação ou no processo de apuramento de votos. Quem quiser impugnar estes actos deve submeter petição junto dos Tribunais Judiciais dos Distritos, que durante o ciclo eleitoral funcionam como tribunais eleitorais e julgam matéria eleitoral com urgência. Do outro lado, ilícitos eleitorais, como de falsificação de actas de resultados eleitorais, devem ser encaminhados aos tribunais comuns como processos-crimes.
É aqui que surge dois problemas: primeiro, a lei não é clara para muitas pessoas intervenientes no processo, partidos da oposição e tribunais inclusos. Assim, poucos sabem quando é que se está perante uma irregularidade administrativa, que deve ser impugnada junto dos tribunais eleitorais e quando se trata de um ilícito eleitoral e deve se requerer a abertura de um processo-crime contra aqueles que o praticaram.
Segundo, precisamente as irregularidades mais graves, a fraude, não são corrigidas. Se as actas de apuramento de resultados foram falsificadas, mesmo que se venha a comprovar em tribunal esta prática, os resultados dessa mesa já foram incluídos na contagem final e não são anulados.
Os tribunais eleitorais podem intervir apenas nos casos em que não há crime, de acordo com a explicação do Juiz Nhatitima.
A explicação do juiz do Tribunal Supremo sustenta que a dupla jurisdição dos conflitos eleitorais prejudica a realização da justiça eleitoral e beneficia a quem pratica a fraude.
O caso mais gritante registado nas eleições de 2019 é a manipulação do recenseamento eleitoral na Província de Gaza, em que a Comissão Provincial de Eleições (CPE) adicionou de forma irregular mais de 300 mil eleitores nos cadernos eleitorais, inflacionando assim o total de eleitores inscritos para votar nesta província. O aumento fraudulento dos eleitores beneficiou a Frelimo, que elegeu mais 8 deputados naquela província. A Renamo recorreu ao Conselho Constitucional (CC) pedindo a impugnação da deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE) que aprova os dados do recenseamento eleitoral nacional, alegando a extrapolação de eleitores em Gaza. Este foi um recurso eleitoral, a um tribunal eleitoral. O Conselho Constitucional rejeitou o recurso da Renamo sem apreciar o mérito da matéria arrolada, fundamentando que a Renamo devia ter impugnado os resultados do recenseamento de Gaza junto dos tribunais judicial daquela província – a jurisdição eleitoral local (ver Acórdão n.o 6/CC/2019 de 9 de Julho).
Contra o mesmo acto, a Renamo remeteu queixa na jurisdição criminal. A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou em carta do CIP que corre trâmites uma queixa do crime de falsificação de documentos eleitorais submetido pela Renamo. Até hoje ainda não foi resolvido o caso, entretanto, os deputados escolhidos pelos eleitores fantasmas de Gaza tomaram posse e já estão a legislar. Mesmo que o caso interposto pela Renamo como ilícito eleitoral venha a ser julgado e provado em tribunal e as pessoas envolvidas e condenadas, as eleições jamais serão anuladas naquela província. Os deputados continuarão a exercer seus mandatos até ao fim da legislatura e assim sai a ganhar quem praticou a fraude.
O caso de Gaza é apenas um de centenas ocorridos nas eleições de 2019. “Na Província da Zambézia me parece ter havido alguma confusão entre ilícitos eleitorais e recursos de contencioso. Há alguns ilícitos, sobretudo o voto plurimo é ilícito, mas foi submetido como contencioso, os tribunais não admitiram, sendo ilícito deveria ter sido tratado como processo-crime mas a queixa foi introduzida como recursos de contencioso. O recurso do contencioso diz respeito a actos administrativos praticados pela Mesa da Assembleia de Voto durante a votação e o apuramento. É sobre esses actos que dá direito a recurso de contencioso, tudo o resto estamos no campo de ilícitos”, disse Nhatitima citado pelo jornal A Verdade (http://bit.ly/Nhatitima).
Independentemente da interpretação jurídica que se fizer a esta realidade anunciada pelo juiz do Supremo, parece claro que é injusto que uma eleição seja influenciada por fraude, as pessoas que cometeram fraude sejam sancionadas mas os resultados das eleições mantenham-se intocáveis. Assim, a fraude compensa!
É preciso encontrar formas para corrigir o impacto dos ilícitos eleitorais que possam favorecer resultados eleitorais, pois esta situação gera conflitos eleitorais e mancha a credibilidade das eleições.
Nossa proposta é que nos casos em que tenha sido cometido ilícito eleitoral, os tribunais eleitorais tenham a responsabilidade de encaminhar o caso ao Ministério Público para o procedimento criminal e tomar também a decisão para alterar os resultados fraudulentos.
Os tribunais eleitorais já intervém regulando o processo eleitoral mediante processo de contencioso eleitoral. Mas diante de queixa de crime eleitoral, é preciso que os mesmos tribunais tenham poderes para ordenar a recontagem de votos, inspecção dos boletins de voto e outras investigações, assim como ordenar a publicação de documentos das comissões eleitorais e do STAE. Os casos que não possa ser resolvidos mediante recontagem, os tribunais eleitorais devem ordenar novo recenseamento e nova votação em todas ou algumas mesas.
A Lei deve ser revista para estabelecer que em casos de crime eleitoral, os tribunais eleitorais têm a responsabilidade de intervir para corrigir o ilícito praticado ou forçar a repetição do processo. A acção dos tribunais deve ser rápida e independentemente de como influencia o resultado total, pois um tribunal distrital não pode ser chamado a julgar como a má conduta na assembleia de voto pode afectar resultado de nível provincial ou nacional.
Pelo facto dos ilícitos eleitorais beneficiarem os partidos concorrentes e candidatos, é importante também encontrar formas de que os partidos beneficiários dos ilícitos sejam sancionados pela acção dos seus membros e simpatizantes. (CIP)

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